DO PROCESSO


Sobre os Registros de ensaio/Diários:

Nesse BLOG você terá acesso "quase" irrestrito às informações do nosso ensaio a partir da publicação dos nossos diários (de atuação e de direção). 

Publicamos fotos de ensaios, videos e diários. Isso para colocar em público, e portanto, em reflexão e questionamento o nosso mecanismo de trabalho.


Mas como fazer um diário sem cair em elucubrações? A premissa é simples:
Os diários são instrumentos de avaliação dos atores sobre eles mesmos, de autopercepção e exercício de escrita dessas. 
O diário, portanto, deve ser visto como uma grande oportunidade de relatar o que sentiu-se e viveu-se durante um ensaio, o diário não serve para analisar o outro, o parceiro de cena, essa relação é objeto do diário de direção. Isso para que o ator não se fixe na análise do outro, perdendo-se em projeções inúteis de limitações próprias, e deixe de lado o seu maior material de trabalho, ele mesmo.
E para facilitar e listar alguns pontos fundamentais que buscamos afinar nos nossos encontros, elencamos abaixo uma série de 11 questões que podem ser observadas e cujas respostas guiarão o diário do ator:


SOBRE O LOCAL DE ENSAIO:

  1. Qual foi a minha relação com o espaço (de ensaio)? Tive um espaço adequado e seguro para trabalhar?
  2. Estive focado/concentrado? Pude trazer minha mente pro meu corpo? Pude trazer meu corpo para a minha mente? (conectar corpo-mente e, portanto, expressar)
SOBRE MIM MESMO (como eu estava no dia e como o ensaio me afetou):
  1. Como me senti hoje antes do ensaio e após? Estava carregando alguma emoção ou imagem sobre a qual precisei dedicar algum tempo? 
  2. O que o meu corpo precisava? Tive algum ponto de tensão que precisasse de relaxamento? Tinha músculos que precisem ser acordados?
  3. Como estava e ficou o nível das minhas energias?
  4. O que a minha voz precisava hoje? A minha voz estava conectada com o meu corpo?
SOBRE NÓS (do relacionamento com o elenco):
  1. Como estava/ficou o meu relacionamento com os outros atores, e quais necessidades eu tive em relação à eles?
  2. Como estava/ficou o meu relacionamento com o grupo?
SOBRE A PEÇA:


  1. Todas as emoções e mundos imagéticos sobre a peça estavam disponíveis para mim?
  2. Todos os ritmos e tempos da peça estavam disponíveis para mim?
  3. Há alguma atividade em particular ou problema sobre o qual eu precise me dedicar mais? Eu preciso me concentrar em preparação da cena ou criação do personagem?

Buscamos responder essas perguntas e escrever nossos diários no mesmo dia do ensaio em questão; o produto dos nossos ensaios são energias frágeis, AS EMOÇÕES e as PERCEPÇÕES, e essas "coisas" não ficam na memória, depois de um a dois dias. 
Por fim, para nós, no teatro o processo ensina muito no campo das emoções/percepções, mas se nós não gravarmos/registrarmos isso de alguma forma, é um conhecimento que se perde e que será útil para o próprio ator.
O diário não precisa ser uma seqüência de perguntas e respostas, as perguntas acima server só para orientação. É possível conciliar as respostas acima com um modo de escrever genérico, abstrato e poetizado, apenas relatando o que percebeu ou vivenciou, fique à vontade.
As questões acima foram elaboradas em cima do livro "Acrobat of the heart" de Stephen Wang.


Sobre os fundamentos do processo criativo/colaborativo adotados nesse grupo*:

Apesar de estar usando fartamente o termo "ensaio", não gosto dessa palavra, prefiro "estudo", realizamos estudos de peças e cenas, semanalmente, inserindo experimentações e estudos diversos para enriquecer tais estudos.
Um breve resumo da investigação que orienta o processo de trabalho do nosso grupo segue-se abaixo:

É comum observarmos no cotidiano das companhias teatrais contemporâneas um abismo entre técnica (conceitos necessários e inerentes à formação do artista cênico) e a sua prática criativa. Esse é um dos possíveis impecílios ou dificuldades para a implantação de processos de criação colaborativos, aliado à uma formação teatral centralizadora na figura do diretor enquanto fonte ou determinador de soluções criativas. Além disso, encontramos ainda a figura de encenadores que tendem a completar esse vácuo, tornando-se a ponte entre essas duas extremidades. 



Essa realidade subestima o ator como mero reprodutor (mimético) de personagens/tipos definidos nas linhas e didascálias do dramaturgo ou na concepção do diretor, e, pouco aproveita o potencial desses entes enquanto artistas criadores e colaboradores na construção de novas poéticas. Nesse sentido, investigamos as práticas de intermidialidade na cena contemporânea aplicados às experimentações e encenações da Cia. Teatro L.A. CHAMA, com atenção às técnicas/elementos desencadeadores/provocadores de soluções criativas no processo de construção da cena. 

Para Deleuze a idéia de intercessores são quaisquer encontros que fazem com que o pensamento saia de sua imobilidade natural, de seu estupor. Sem os intercessores não há criação. Sem eles não há pensamento, não há criação. O conceito de intercessores é aplicado aqui como todo elemento provocador ou disparador de outros conceitos e imagens sendo um potencial gerador de ações criadoras. Tais provocadores servem como dinamizadores do processo criativo dos integrantes da nossa companhia teatral buscando o “desbloqueio” de canais expressivos dos atores. O objetivo final não é apenas possibilitar o desencadeamento de conceitos mas, exprimí-los, torná-los visíveis através do jogo cênico. Desse modo, a relação estabelecida entre provocador e ator encaramos como “jogo”. Assim, os intercessores tornam-se as pontes entre a técnica e criatividade, resultando em soluções criativas. 

O foco da investigação não está numa montagem, nem no processo, mas na figura do ator: na relação que este ente estabelece com os provocadores confrontados e como manifesta suas conseqüências. O processo de criação e a encenação, são resultantes secundários em foco, mas primordiais em resultados. Nesse estudo será exposto os primeiros resultados e análises desse processo na criação da cena e no estabelecimento de um processo colaborativo, sendo o diretor um facilitador. 
*colaboração e orientação: Prof. Dr. Rodrigo Garcez, da UFSC.

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