sexta-feira, 26 de novembro de 2010

SOBRE O NOSSO PROCESSO

Gostaria de falar um pouco e em rápidas linhas, sobre como e qual é o processo que estamos seguindo na Cia. Teatro L.A. CHAMA para montar nossas peças.
O processo é simples e, portanto, difícil, mas aqui vou dividí-lo e 3 didáticas partes, são elas:
  1. Incorporar/Corpoirificar;
  2. Brincar/Criar;
  3. Selecionar/Definir.
  • No INCORPORAR/CORPOIRIFICAR, dedicamo-nos à memorizar e por no corpo o texto. Fazendo exercícios para criar fluência, segurança e conforto com o texto. Nessa etapa inicial a gente procura formas de iniciar uma relação de cumplicidade, companheirismo e intimidade entre o elenco, para que sintam-se a vontade para a etapa seguinte do processo de ensaio.
  • No BRINCAR/CRIAR, dedicamo-nos à jogar, brincar, experimentar. Nessa etapa o essencial é criar relações lúdicas entre atores/objetos e atores/atores que possam se refletir na ampliação da imaginação desses atores, na sua capacidade e liberdade para propor soluções criativas (leia-se como "liberdade" o quão a vontade e aberto o ator sente-se). Nessa fase, aprofundaremos a incorporação do texto, a idéia de que a dramaturgia é o tabuleiro e a peça o jogo, e ampliaremos a relação criativa e de cumplicidade entre os atores para que possam encarar-se confortavelmente no espaço de ensaio, sem bloqueios ou repulsas. O texto torna-se um pretexto para realização de jogos, e todo elemento é um intercessor em potencial para provocar ou disparar no ator processos criativos. Através do jogo, pretenderemos estimular a criatividade, o estado de prontidão, de atenção e de disponibilidade do ator. O jogo será visto coma ponte entre criação e concepção.
  • No SELECIONAR/DEFINIR, nós escolheremos dentre as soluções criativas que surgiram na etapa anterior quais as que permanecerão e serão aprofundadas. Também é na etapa final desta fase que realizaremos o ajuste final do obra criada.
NOTA: Cada etapa desse processo toma o tempo necessário que o ator pedir, isto é, o tempo que for necessário para o ator incorporar/corpoirificar a peça, para criar relações entre seus elementos materiais e/ou companheiros de cena e transformá-las (essas relações) em jogo, e o tempo necessário para selecionar as propostas que mais lhe parecerem interessantes para àquilo que chamará de proposta final.

SOBRE OS DIÁRIOS DE ATUAÇÃO


Amigos atores,

Gostaria de sugerir algumas perguntas (a partir do livro do Stephen Wangh) para que respondam nos seus diários.
Os diários são instrumentos de avaliação de vocês sobre vocês mesmos, de autopercepção e exercício de escrita. Basta ver o quanto é desesperador para alguns sentarem-se e escreverem trabalhos de aula, por exemplo, é pura falta de prática, de hábito de escrever.
Vejam no diário, portanto, uma grande oportunidade de relatar o que sentiu e viu DE SI no ensaio, o diário não serve para analisar o outro, isso faço eu no diário de direção.
Mas para facilitar e ser mais objetivo com vocês, escrevo abaixo uma série de 11 perguntas para vocês responderem e me enviarem em substituição do diário, são elas:

SOBRE O LOCAL DE ENSAIO:
  1. Qual foi a minha relação com o espaço (de ensaio)? Tive um espaço adequado e seguro para trabalhar?
  2. Estive focado/concentrado? Pude trazer minha mete pro meu corpo? Pude trazer meu corpo para a minha mente? (conectar corpo-mente e, portanto, expressar)
SOBRE MIM MESMO (como eu estava no dia e como o ensaio me afetou):
  1. Como me senti hoje antes do ensaio e após? Estava carregando alguma emoção ou imagem sobre a qual precisei dedicar algum tempo?
  2. O que o meu corpo precisava? Tive algum ponto de tensão que precisasse de relaxamento? Tinha músculos que precisem ser acordados?
  3. Como estava e ficou o nível das minhas energias?
  4. O que a minha voz precisava hoje? A minha voz estava conectada com o meu corpo?
SOBRE NÓS (do relacionamento com o elenco):
  1. Como estava/ficou o meu relacionamento com os outros atores, e quais necessidades eu tive em relação à eles?
  2. Como estava/ficou o meu relacionamento com o grupo?
SOBRE A PEÇA:
  1. Todas as emoções e mundos imagéticos sobre a peça estavam disponíveis para mim?
  2. Todos os ritmos e tempos da peça estavam disponíveis para mim?
  3. Há alguma atividade em particular ou problema sobre o qual eu precise me dedicar mais? Eu preciso me concentrar em preparação da cena ou criação do personagem?
Tentem responder essas perguntas no mesmo dia do ensaio, por favor, o produto dos nossos ensaios são energias frágeis, AS EMOÇÕES e as PERCEPÇÕES e essas "coisas" não ficam na memória, depois de um a dois dias elas se perdem.

Por fim, lembrem-se que no teatro o processo ensina muito no campo das emoções/percepções, mas se nós não gravarmos isso de alguma forma, é um conhecimento que se perde e que será útil pra vocês mesmos.

Encarem isso como uma espécie de exercício do começar a escrever, pois no futuro vocês terão esses diários como tesouros particulares.

Quem preferir escrever do modo genérico, poetizando e apenas relatando o que percebeu ou vivenciou, fique à vontade. Listei essas perguntas só para orientar aqueles que precisam saber como organizar os pensamentos do ensaio, a partir de quais tópicos.

Um grande abraço,
Carlos.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DIÁRIO DO ATOR - Tobias Nunnes

Peça: "Canção de ninar para um anarquista"
Autor: Jorge Díaz
Ator: Tobias Nunnes
Data: 22/11/2010
Personagem: Balbuena
De Ensaio - Canção de ninar para um anarquista

Apesar do vergonhoso atraso (rs), considero o último ensaio como relativamente positivo. Mesmo com a perda de sincronia (na cena) e prévio esquecimento das últimas descobertas dos ensaios anteriores, julgo este como uma espécie de desmembramento. Está desmembrado por ter sido, ao meu modo de ver, o mais atípico, comparando com a estrutura que vinhamos tendo. Carlos sempre com novas propostas e etc, mas este, não sei, talvez pode ter sido diferenciável pela energia que carregava comigo, muito intensa. Primeiro em virtude do fim de semana e , segundo em função do fatídico atraso, mas enfim... pesares e pesares que serão evitados nos próximos encontros.
A sugestão de adequar o corpo a um animal, me pegou de surpresa, e como já gostando do desafio me peguei pensando na forma de me adaptar a isso, mesmo que por instantes. Volto na questão do atípico, justamente por ter sido a forma como me senti. Destaco a escolha pela serpente, que além de me deixar mais sensível e vulnerável sentimentalmente no decorrer do dia, me proporciounou a sensação de maior força em cena, por mais que se tratasse de um exercício, apenas. Claro que há muito ainda a ser trabalhado, a começar pelas adaptações corporais ao animalesco e que tais características possam, de certa forma estar inseridas na personalidade (inexistente e mutante?) do Balbuena. Também não sei, se os animais escolhidos, por afinidade e certo fascínio que me estabelecem, são os mais indicados e adequados para chegarmos ao resultado que se espera. Mas valem as tentativas.
Porém, ao mesmo tempo em que senti maior força,
vale ressaltar - Anna Lia colaborou muito durante o processo, numa espécie de troca - também veio a sensação de estar preso, uma prisão que eu próprio tenha me colocado, pela escolha da serpente, mas porque necessitava experimentar um tipo de força cênica e certo desconforto corporal, até mesmo para me movimentar. Preso também por não ter total domínio do texto, ainda, diferente de Anna Lia, a mais tempo no processo e conhecimento textual como um todo.
É inegável a sinergia, confiança, liberdade e bem estar em dividir cena com ela, independente de fatores externos que nos ligam, trata-se de uma questão sensitiva mesmo. Falar em sensitivo, eis a palavra que acaba por definir o encontro. Sensitivo, além de novos e incessantes descobertas, a minha: de que talvez seja necessário sentir-se preso para se poder enxergar uma liberdade desfrutável claramente. Balbuena em muito deve ser lapidado, descoberto e experimentado, "ele tem soprado coisas no meu ouvido" durante madrugadas insones, tenho pensando, e a partir de sensações e observações no cotidiano tenho tido maior proximidade ao molde que irá gerá-lo. Por enquanto... coleta de matéria-prima para o molde a partir daquilo que o universo Tobias também pode oferecer. Por certo vamos nos encontrar sincronicamente. Para breve.
"Não se afobe não que nada é para já!"

[...]

"Nunca um acontecimento de tarda quando se quer realizá-lo"
Theofilos Garr

DIÁRIO DE DIREÇÃO - "Los pájaros..."

Peça: "Os pássaros se vão com a morte"
Autor: Edílio Peña
Elenco: Bárbara Danielli e Vera Ferreira
Data: 24/11/2010
Início: 9h10min (atraso)

Hoje estamos ensaiando na sala 401.
Repeti para as meninas as perguntas que o autor Stephen Wangh convida os atores a fazerem-se durante seus aquecimentos para aproveitar ainda mais esse momento tão importante do ensaio.

Em seguida, fizemos um PLASTIQUE.
O nível de concentração da Bárbara vai melhorando com o tempo de ensaio, ela começa falando muito e vai silenciando, mas basta uma pequena interrupção para que a concentração caia. Isso é algo natural e que ela pode começar a perceber e canalizar esse impulso para potencializar sua energia interna, seu estado de atividade interior e, ao contrário, não tentar bloquear, mas canalizar. Temos trabalhado com a noção de que tudo o que vem deles é bom, mesmo os excessos de ansiedade ou crises de angústia que afetam sua concentração. E por ser algo bom, devem canalizar para o trabalho e, não bloquearem, ignorarem ou alienarem-se à esses fatos.

A Vera já demonstra ter maior facilidade de centrar-se no exercício.

Durante o Isolamento a Bárbara teve alguns picos de mal estar, ela demonstra sintomas de pressão baixa, mas a Vera aventou outra possibilidade .
Então, vamos começar a mapear esses problemas de saúde, porque esse foi um dos VÁRIOS ensaios que entre tonturas, problemas gástro-intestinais e vocais a Bárbara apresentou. Ou é o horário de ensaio que pega o organismo dela frágil, se preparando para o dia, ou é algo de efeito emocional. De qualquer forma, precisamos analisar isso com muito cuidado, do contrário, o rendimento dos ensaios começará a ficar muito aquém do esperado.
Mas, isso é apenas uma observação quanto à saúde, vamos cuidar para não virar um problema de fato pois, com a saúde não se brinca. Porque eu vejo que a Bárbara se esforça, se dedica, está presente, até que tem uma tontura que a deixa fora de jogo por uns 5 minutos pelo menos. E até que ela retome à concentração no jogo, no processo criativo, ela perde muito tempo e, portanto, muitas oportunidades de criar coisas e ter experiências boas pra ela mesmo.
Adiante... Depois do PLASTIQUE, como já eram 10h20min, pedi que elas caminhassem pela sala, buscassem um animal qualquer e começassem a incorporá-lo (colocá-lo no corpo). Com o decorrer do exercício, percebi que ambas estavam periféricas demais, isto é, coordenando braços, mãos e pernas com o animal escolhido, mas esquecendo do primordial, a coluna e o centro de gravidade do corpo, o assoalho pélvico. Além disso, não pareciam estar acreditando muito nas imagens que produziam, pois não coordenavam a face nem os olhos. Enfim, não haviam se dado conta ainda de que o jogo do PLASTIQUE serve justamente para elas ativarem várias partes do corpo e utilizarem-nas detalhadamente para a tal sincronia. É a tal máxima cartesiana: dividir para conquistar! Dividirem a percepção corporal para melhor usar o corpo dando mais detalhes à utilização do seu aparato físico.
Com o tempo elas foram se abrindo mais pro jogo, e buscando ampliar suas tentativas de incorporar (colocar no corpo) tais animais. É interessante notar que quando chega a parte de sincronizar emissão de som (não necessariamente voz, mas também se for o caso), há um pequeno travamento inicial até que depois de algum momento alguém começa a quebrar o silêncio como se estivesse profanando a região da razão, do lógico, para entrar no universo sonoro da loucura. E com Luz totalmente acesa, o grupo não se liberta tanto quanto com a pouca luz que facilita ou pelo menos mascara a tentativa constante de acreditar naquilo que elas mesmos fazem.
A partir do primeiro animal, pedi que elas escolhessem outros 2 em associação com algum trecho, fala, estado emocional, ou ponto específico do texto teatral, no que fizeram dedicadamente. Conforme a sincronia animal avançava eu as solicitava que quando sincronizassem os sons corporais, que pudessem emitir o tal pedaço de texto o qual as tinha inspirado não como quem interpreta, mas como se o animal é que estivesse dizendo aquela palavra, fala, aquele som, etc.

Depois pedi que elas pegassem a cena 3, escolhessem 1 animal e fizéssemos tais animais interpretarem o texto - como se fosse um desenho da Walt Disney onde os animais são os personagens, e não aqueles que elas já criaram (a mãe e a filha). Elas O fizeram, e aqui uma falha minha, não anotei quais eram, mas tenho na recordação que a Vera possa ter feito um pássaro e a Bárbara uma hiena (Corrigindo, foi um macaco). Conforme a cena passava e eu percebia que elas iriam perdendo o animal e virando as personagens, eu as pedia que escolhessem outro animal, para insuflar-lhes combustível novo. Depois que eu percebi que essas paradas as fazia ficar pensando demais, eu pedi que escolhessem um animal aleatoriamente, para evitar que premeditassem a cena o que dificulta o interelacionamento de ambas.
NOTA: Esse elenco me tem ensinado que quando a gente premedita a cena, quando a planejamos, nós não levamos em consideração o que de mais importância acontece: o jogo. Tomemos por exemplo um jogador de futebol, ele não tem como planejar que pegará a bola, cruzará o campo, correrá mais que todos, não será interceptado ou tocado e com certeza fará o gol. Se assim proceder, ele corre o risco de receber uma pancada ou de sair atropelando todo mundo até entrar com bola e tudo dentro do gol e ser um rolo compressor. O ator, da mesma forma! Se ele investir mais no trabalho de equipe, pode não fazer o gol, mas certamente participará da jogada e se divertirá muito, porque não ignorará o que de mais importante acontece em campo, o relacionamento entre os entes.

Então, para evitar a premeditação ou planejamento mesmo dos jogos, eu tento quebrar o programado por elas mesmas com pedidos rápidos e surpresas. Elas demonstraram preocupação em não saber imitar os animais. Esse é um sinal claro e evidente de que elas ainda estão muito cerebrais, isto é, muito preocupadas com a avaliação - o julgamento - que fazem de si próprias se estão ou não "fazendo bem"! Eu espero que ao lerem essas linhas, elas percebam duas coisas:
  1. o importante no jogo é tentar, estar aberto e disponível para o jogo;
  2. desliguem sua auto-crítica, ela é minha maior inimiga no processo de ensaio de qualquer elenco porque ela os trava, os julga e os poda de experimentações tirando-lhes a liberdade de experimentarem, sentirem, usufruirem. E esse negócio de fazer certo ou errado é idéia de uma sociedade de onde viemos, que é competitiva e baseada na "vitória", Aqui vence quem tenta e não quem faz bem feito, quem se esforça, dedica e joga. E, por fim, vocês precisam se abrir mais para o instintivo, pro sensorial e esquecer um pouco o racional (é ele quem julga, quem diz o certo/errado, o bom/mal)... o instintivo/sensorial não, ele é quem mexe com o gostoso/divertido/prazeroso. ABRAM-SE PARA O PRAZER de experimentar, de sentir, e esqueçam essa idéia do CERTO ou ERRADO... isso não importa e ao contrário as impede de experimentar e, portanto, colher ótimas soluções criativas. Isso irá expandir a sua imaginação.
Essa dica vale para TODOS os nossos jogos! No próximo ensaio, experimente seguir esses 2 pontos e vejam o quanto vocês crescerão. Fica o desafio.

Depois pegamos algumas cenas pontuais. A cena 1.08, onde há uma relação sexual entre mãe e filha, onde pedi que ambas a realizassem como se fossem serpentes. Incrível como há dificuldades da Bárbara em abrir-se para tocar a Vera, e não estou aqui falando de um toque agressivo ou intromissivo, mas qualquer toque, desde que seja verdadeiro. Basta lembrar que não houve qualquer toque, apesar da Vera ter tentado aproximações. Acho que minhas tentativas estão se esgotando, vou começar a colocá-la frente à frente com esse tabu para encará-lo de fato.

Depois fizeram a cena 1.12, como duas chimpanzés. Isso me mostrou que precisaríamos de mais tempo, pois elas não tem a mesma noção que eu de que este é um bicho barulhento e brincalhão e era isso que eu queria que elas buscassem desse bicho. Pois a cena é justamente um dos raros momentos de entusiasmo da mãe e da filha quando percebem que os vizinhos estão fazendo sexo. Não rolou. Da mesma forma que não pegaram das serpentes na cena anterior a sensualidade corporal das cobras, numa cena que teria sido muito útil para elas, justamente para começarem a trabalhar fisicamente com a sensualidade.

Bem, o ensaio foi ótimo, me ensinou muito... me deu vários parâmetros com os quais trabalhar para os próximos ensaios.

Ah, esse ensaio foi programado a partir do diário do ator da Bárbara em que ela diz que sente necessidade de trabalhar vários corpos (de menina, de homem, de mulher, etc). Percebi hoje que ela tem dificuldade em metaforizar coisas, pois eu dei a chance dela experimentar vários corpos e ela não percebeu que era tudo uma metáfora, afinal, experimentar o corpo de uma onça era a chance que ela tinha de buscar neste animal as características do corpo homem que ela poderia criar, o mesmo com o gorila, ou a hiena, o rato, o chimpanzé para a menina, ou a serpente para a mulher. É isso gente, esse não é um jogo banal de imitação, ao contrário, são metáforas corporais com as quais vocês precisam trabalhar. Não é nossa proposta que vocês "imitem" o corpo de um homem e achem que criaram um corpo masculino. O que nós queremos são metáforas de corpos, corpos com elementos que expressem aquilo que desejamos. É mais simples do que parece, afinal é um jogo.

Por fim, fizemos um breve exercício de imagens, onde pedi que elas sentassem em lados opostos e buscassem ver à sua frente uma tela com as imagens que uma descrevia à outra. Trata-se da cena 2. Elas o fizeram, e como estavamos no fim do ensaio, não deu para aprofundar. Serviu apenas para não esquecerem esse texto.
No mais, nao gosto de aplicar os mesmos exercícios nos grupos porque acabo comparando um com o outro, e não é possível se estabelecer comparações quando se trata de pessoas e projetos diferentes. Essas comparações podem provoca cobranças descabidas, frustrações sem sentido e relações inverídicas. Cada grupo tem seu ritmo, sua forma de encarar o jogo, de se entregar ao exercício e sua necessidade específica.

Eu só apliquei alguns dos mesmos exercícios porque me dei conta disso e me concentrei em tentar não incorrer nesse engano.

Beijos e abraços.

DIÁRIO DO ATOR - Anna Lia

Peça: "Canção de ninar para um anarquista"
Autor: Jorge Díaz
Ator: Anna Lia Sant'Anna
Data: 22/11/2010
Personagem: Rosaura
Relato:
Relatar o último ensaio, sem considerar a autocrítica negativa, seria impossível. Fato esse, denotado primeiramente pelo descontentamento do diretor. As justificativas são infindas, porém não são suficientes para nos eximir da responsabilidade e comprometimento com o trabalho.
Antes das considerações positivas do processo, assumo as falhas pessoais, que no meu ponto de vista, acarretam lentidão no processo criativo. Creio que o fato de desmarcarmos o ensaio da semana passada, a pedido meu em virtude de compromissos pessoais, foi um elemento prejudicial, gerando a ruptura naquilo que já haviamos criado e descoberto no último ensaio. Além disso, outra dificuldade a ser superada, é a adaptação para o período matutino, já que, além de implicar em atrasos(tentarei não repetí-los), torna-se um desafio, por não ser meu período do dia de maior disposição.
Contudo, imagino que estou começando a desfrutar de um momento interessante na criação de minha personagem, o qual posso definir como entusiasmante. Aos poucos, tenho descoberto mais detalhes de Rosaura, imaginando-a com mais clareza e ousando a cada encontro, permitindo uma experimentação mais saborosa.
Penso que a inserção de Tobias no elenco, permitiu um ganho considerável, pois sinto-me a vontade em contracenar com ele, havendo espaço para o jogo e portanto para o desenvolvimento conjunto de nossas personagens.
No entanto, é válido considerar, que ainda é uma fase prematura, ambos os atores, possuem limitações vísiveis, fruto de nossa autocrítica, que por muitas vezes impedem a "quebra", impedindo a experimentação das novas formas de corpo, voz, gestos e olhares.
A respeito dos jogos propostos pelo diretor, me senti a vontade na execução, acreditando que a incorporação de animais para a interpretação, pode ser bastante valorosa. No entanto, é preciso um trabalho mais intenso nesse sentido, para a consolidação dessas características.
Vale a pena ressaltar dois pontos, um deles é que, diferente do diretor, penso que nesses últimos ensaios tivemos ganhos consideráveis. Percebo que em um curto período de tempo, me permiti mais, brinquei mais, ousei mais e consequentemente me sinto a cada dia mais satisfeita com os pequenos novos detalhes e com mais vontade de aprofundar esse trabalho.
O outro ponto é que a dificuldade de memorização do texto, justifica-se por estarmos trabalhando diretamente nas construções de cena. Diferente de mim, Tobias não realizou os repetidos exercícios de falar o texto diversas vezes, mantendo o foco no outro, movimentando-se e tudo mais, Outro fator a observar, são as nossas leituras do texto, em que não mais marcamos horário para realizar.
Espero que logo após o término das aulas, tenhamos um avanço considerável, podendo recuperar esses prejuizos gerados por sobrecarga de tarefas, de todos os componentes.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

DIÁRIO DE DIREÇÃO - "Canción de cuna..."

Peça: "Canção de ninar para um anarquista"
Autor: Jorge Díaz
Elenco: Anna Lia e Tobias Nunnes
Data: 22/11/2010
Início: 10h20min (atraso de 80 MINUTOS! CARALHO!)

Bem, hoje o dia amanheceu chovendo e foi um caos. Eu tinha planejado levar o elenco para a praça e "brincar" com eles por lá. Porém a chuva não só modificou os planos como os fez atrasar consideravalmente em função do trânsito.
O plano B foi acionado e buscamos trabalhar outras coisas necessárias para a peça:
  1. Corpo;
  2. Imagens.
Basicamente o que propus foi um trabalho adaptado a partir de Grotowski da construção corporal do personagem a partir de elementos corporais de animais idealizados e escolhidos pelos atores, em coordenação com trechos do texto que eles escolhessem.
O trabalho funcionou relativamente, comprometido pela pouca compreensão do texto ainda. Pois a insegurança com o texto matou a liberdade e a espontaneidade do jogo em vários momentos.

Fizemos o exercício corporal aliado ao texto, buscando as cenas de trás para frente, isto é, da última decorada até a primeira, com o objetivo de não deixar se perder o memorizado mais frágil. Não foi muito produtivo pelo lado do texto pela viagem que deram nas falas, mas enquanto jogo, proposição e disposição os atores estavam bem abertos, e isso é sempre mais importante. O texto é uma questão intelectual, o jogo une as duas coisas, mas é sempre importante estar aberto ao jogo.

Não chegamos a fazer o exercício de imagens por falta de tempo.



Recomeçamos o exercício do início da peça, com vários problemas de memorização do texto. Problemas de tempo ritmo cômico, problemas de consciência corporal, enfim, mas tudo em decorrência do grande volume de trabalho do elenco. Eu compreendo a correria deles, e sei que assim que terminar eles voltam a se dedicar. Ambos tem muito talento e disposição. Essa peça não me preocupa, Anna Lia e Tobias são bastante responsáveis e disciplinados. Pena que ainda se julgam muito. Mas com a fluência no jogo ambos vão se soltando, com certeza!


Acho que por hoje é só. As fotos publicarei mais tarde.

É importante ressaltar que em decorrência do pouco tempo que tivemos, conversamos que os exercícios seriam melhores aprofundados na próxima semana, quando ensaiaremos 2 dias (segunda e quinta). Razão pela qual, perguntas como: "o que vocês acham útil do exercício com esses animais?", "o que vocês acham que pode ficar?", "o que vocês sentiram?", só poderão ser feitas com algum resultado mais eficiente e duradouro no próximo ensaio.

Por enquanto é isso.

domingo, 21 de novembro de 2010

DIÁRIO DE DIREÇÃO - "Canción de cuna..."

Peça: "Canção de ninar para um anarquista"
Autor: Jorge Díaz
Elenco: Anna Lia e Tobias Nunnes
Data: 18/11/2010
Início: 9h00min

TRANSFERIDO previamente para segunda-feira, 22/11, mesmo horário.

Motivo: Tobias estava doente (melhoras Toba!).

DIVULGAÇÃO CULTURAL - INOMINÁVEIS


Inomináveis

Criação a partir das peças Not I, Play e Rough for Theatre I de Samuel Beckett.
Solidão e incomunicabilidade são temas abordados, num jogo que se repete ao infinito.
Com Carina Scheibe, Carlos Silva, Gabriel Guedert, Rafaela Samartino, Tainá Orsi e Tamara Hass.


Direção e adaptação: Fernando Faria.

TRAVESSA CULTURAL
Travessa Radiclif, 56 – Centro - Florianópolis.

Produção: Comparsaria Teatro

Data: 04, 05, 11 e 12 de dezembro

Horários: Sábados: 21h, Domingos:20h

Duração : 80 minutos

Lotação : 40 pessoas


DIÁRIO DE DIREÇÃO - "Los pájaros..."

Peça: "Os pássaros se vão com a morte"
Autor: Edílio Peña
Elenco: Bárbara Danielli e Vera Ferreira
Data: 17/11/2010
Início: 9h00min (no horário)

Hoje fomos ao planetário da UFSC. Assim como fiz com outros elencos, levei as meninas ao planetário para observar:
  1. que tipo de relações elas (as atrizes) estabeleciam ali naquele ambiente, com aqueles objetos;
  2. quais objetos elas buscariam e sua ordem;
  3. como essas relações se transformariam em brincadeiras e como tais brincadeiras influenciariam na relação entre as duas atrizes;
  4. o que cada relação imprimia ou fazia surgir nas atrizes;
  5. e, por fim, como essas relação atriz-objeto, atriz-atriz se transformavam em brincadeira e o quanto dessa brincadeira se transformava em jogo.

O que passarei a descrever aqui são algumas observações, tentarei deixar as análises deixo para o final, vamos à elas:
  1. ambas, Vera e Bárbara se "afetaram" positivamente quando "imergiram" no local, sobretudo porque tinha uma turma de crianças de faixa etária na casa dos 5 anos de idade;
  2. o primeiro brinquedo escolhido foi a roda a partir do centro de gravidade;
  3. em seguida a bicicleta na corda bamba;
  4. depois a cadeira com polias;
  5. o balanço;
  6. e por fim, o espelho sonoro.
Não foi meu objetivo trabalhar o corpo com técnicas acrobáticas, de yoga ou algo que o valha, mas, como dito anteriormente, e sucintamente agora: ampliar a relação entre Vera x Bárbara, enquanto pessoas sensíveis (atrizes), e a relação Vera x Bárbara x texto, pois o texto não pode ser maior que elas, e menos ainda que a relação que elas estabeleçam uma com a outra. Quando eu falo em "relação", na verdade estou me referindo à "jogo"! Porque eu quero mesmo é que elas joguem uma com a outra, e que o texto seja "as regras" ou o "tabuleiro" desse jogo, e que, portanto, seja gostoso.

De tudo o que aconteceu, do quanto a Vera se entrega ao jogo, do quanto a Bárbara se abre pra brincadeira, o que mais me chamou a atenção foi o fato de que quando elas estavam no espelho sonoro, sem qualquer comando ou pedido meu, ambas começaram a usar o texto por conta própria, quero dizer, elas começaram a "bater-texto" a partir da cena 3 espontaneamente. Eu achei isso fabuloso. Ao chegar no fim elas retomaram do princípio do texto e estavam tão concentradas nos efeitos do brinquedo que automaticamente concentravam-se no jogo, no texto, nelas mesmas e uma na outra... tudo, intuitivamente, espontaneamente... enfim, o que a Bárbara e a Vera (o Tobias e a Anna Lia também) têm me ensinado é que quando o ator chega na sua espontaneidade, na sua verdade de brincadeira, no seu jogo, a cena surge e afina-se por si. No futuro vou pesquisar mais sobre isso e discorrer mais. Afinal, não é algo trivial, mas importantíssimo para o processo criativo. Pois a diferença de um processo não colaborativo está justamente numa marcação e por fim numa afinação dessa marcação pelo diretor. Acho, ainda não testei, que o pulo do gato está na auto-afinação que espontaneamente eles fazem e numa possível afinação minha ao final, assim chegamos na afinação da afinação ou na super-afinação... papo pro futuro.



Eu gravei um vídeo da Bárbara brincando com o texto e da Vera também, é isso que quero delas sempre, e gostaria que começassem a brincar mais uma com a outra também.

Convido-os para verem mais fotos do ensaio, nos links ao lado e vejam por si o quanto as duas brincaram.


Nossos próximos passos são outros locais, outras brincadeiras, e por fim, criar umas partituras de movimentos.

É isso gente. Mantenham-se antenados no BLOG porque temos 4 ensaios por semana, 8 diários de atuação por semana e 4 de direção... é bastante material empírico e teórico.

Por enquanto.

Ah, o Edílio Peña, autor dessa peça, entrou em contato conosco... e, pasmem, ele é mais legal do que nós poderíamos imaginar! Esperamos fazer uma grande estréia com ele presente, e, surpreendê-lo! E que venha a Nara Mansur e o Alejandro Tantanián também (autores de outras peças que estamos estudando).

DIARIO DO ATOR - Bárbara Danielli

Peça Os pássaros se vão como a morte;
Autor: Edilio Peña
Atriz: Bárbara Daniell
Personagem: Filha
Ensaio: 17/11/10 - Quarta-Feira
Nosso ultimo ensaio foi realizado no planetario da UFSC. Achei mto interessante pois me remeteu mto a infancia, das lembranças de criança, da fase do brincar. Acho que isso ajuda bastante no desenvolvimento da minha personagem, pois apesar das fortes cenas que lhe cabem nao posso esquecer que ela é uma pré-adolescente, tem apenas 15 anos.
A outra questao que me interessou em relacao ao local do ensaio, foram as parabólicas que assim como um espelho "refletem o som" de uma parabolica a outra. Gostei mto de passar o texto ali, me ajudou na fixacao do mesmo já que naquele momento a unica preocupação é "pensar" no texto efazer com que ele chegue ao outro lado, e isso me fez perceber o quanto eu e a Vera falamos baixo em alguns momentos, estamos tao centrados no fazer que esquecemos uma da outra. Além disso, conforme eu falava minha voz emitia um eco e isso me ajudou a perceber como minha voz esta saindo, e isso, por alguns momentos, me gerou curiosidades em fazer novas experimentacoes da minha voz, experimentacoes de tons, principalmente nas cenas em que eu incorporo o pai. Aquele eco me fez pensar que isso caberia bem na cena, já que o pai nao existe, acho que esse eco ressoa a algo que vem do "além".
Este lugar me fez trabalhar mtas coisas positivas que remetem nesta peça, porém senti falta do trabalho de corpo da minha personagem, já que essa é minha maior dificuldade com ela. Sinto falta de um corpo menina, um corpo pai, corpo louca, corpos esses essenciais para minha personagem que sinto que na tem ainda e uma semana sem exercitá-lo o pouco que se cria dentro de mim acaba se perdendo.
Confesso q esse tipo de direção q o Carlos vem trabalhando é bastante nova para mim, o que mta vezes me gera mais duvidas, por um lado isso é bom pois me da a liberdade de ajudar 100% na criação de minha personagem, por outro me deixa um pouco perdida já q isso me faz criar o tempo inteiro gerano sempre uma "personagem" diferente,nao sabend assim,quando esta bom. Mas é bom, estou aprendendo.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DIÁRIO DO ATOR - Vera Ferreira

peça: "Os Pássaros se vão com a Morte"
Autor: Edilio Peña
Atriz: Vera Ferreira
Personagem: mamãe
Ensaio de: 17/11/2010 - quarta feira
Hoje nosso ensaio foi no planetário, foi maravilhoso. Começamos brincando, o que deu uma sensação de liberdade e de retorno aos tempos de criança, embora os brinquedos sejam sofisticados. Aproveitamos as parabólicas, que transmitem o som com alta fidelidade, para repassarmos o texto. Durantes os ensaios “normais”, ou seja, dentro da sala, eu sempre tenho a impressão de que a Bárbara fala muito baixo algumas vezes, no entanto, pelo comentário dela em dois momentos de falas da minha personagem hoje, dizendo que não tinha escutado, percebi que isto também ocorre comigo.

Fiquei satisfeita pelo fato de termos tido bastante progresso com o texto, pois conseguimos passar três cenas de um total de quatro, quase sem nenhum erro e isso é importantíssimo para o ator, pois é a partir da segurança com o texto que passa a explorar outros campos de atuação.

O Carlos tem nos dado bastante liberdade para a criação, não uma liberdade vazia do tipo façam o que quiserem, mas sim, nos trazendo questionamentos, imagens, sugestões e criando oportunidades. O que vem tornando o trabalho cada vez mais interessante.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

ANIVERSARIANTE DO DIA

Hoje é aniversário da nossa querida Anna Lia!
Anna, parabéns por mais uma voltinha ao redor do sol.
Que possas dar muitas outras com saúde, alegrias e realizações.

Abraços dos seus companheiros da Cia. Teatro L.A. CHAMA!

domingo, 14 de novembro de 2010

ANIVERSARIANTE DO DIA

Hoje é aniversário do nosso querido Tobias Nunnes!
Tobias, parabéns por mais uma voltinha ao redor do sol.
Que possas dar muitas outras com saúde, alegrias e realizações.

Abraços dos seus companheiros da Cia. Teatro L.A. CHAMA!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

PROJETO CONCEITUAL - "Los pájaros..."

Peça: "Los pájaros se van con la muerte"
Autor: Edílio Peña
Elenco: Bárbara Danielli y Vera Ferreira



"Uma história dramática da realidade viva latino-americana, onde uma mãe se agarra à memória do marido morto, invocando o seu espírito através de sua filha, em busca de vingança e de manter sua memória viva.

Os pássaros se vão com a morte,
Indaga sobre a opressão,
sobre a liberdade negada ...
... Essa imagem transitória
que desaparece num golpe,
num olhar
num grito
num suspiro ...
Essa liberdade que se perde com o silêncio ...
... Com o abrir e fechar dos olhos ...
... Essa liberdade que vai voando ...
... Como os pássaros."



ANÁLISE DA OBRA:
"Los pájaros..." é um drama escrito em dois atos que se caracteriza por uma tendência que examina alguns aspectos da realidade venezuelana (a marginalidade, a prostituição, a solidão, o abandono, etc.), que em sua maioria foram acrescentados pela instalação da nova estrutura política e social que começa a mudar com o fim da ditadura de Marcos Pérez Jiménez (presidente de 1952-1958). Outro aspecto importante na obra constitui-se pela integração do elemento mágico, misterioso, da cultura como é o caso do culto à rainha Maria Lionza, uma deidade tipicamente venezuelana, como uma "espécie" de orixá daquele país (apenas para que se tenha um comparativo). Esta fusão do real maravilhoso (que, além do mais, se inscreve na tradição da produção artística latino-americana) ressalta alguns recursos particulares da nossa cultura popular, mas projeta por sua vez uma problemática que transcende a época, e lhe dá um carácter universal.


A obra se estrutura a partir de um discurso dialógico estabelecido por dois interlocutores dramáticos unidos por uma relação sanguínea: Mãe e filha. Esta última, em algumas cenas, se desdobra para representar o personagem referencial, o Pai, que de alguma maneira inspira as ações de toda a obra. O desdobramento do personagem, poeticamente descrito, permite lograr vários dos desejos frustrados da Mãe: o prazer sexual e a vingança de ver-se viúva do seu esposo, pois que ela não o perdoa por tê-la "deixado". O primeiro não é mais que o triunfo da piedade que a mãe, no seu papel de esposa, reclama do seu marido, e o segundo representa a consolidação de um temor antecipado. O temor de conhecer a morte do seu companheiro.
A diegésis da obra explicitamente assinala que os desejos dos personagens são logrados a partir de uma cerimônia popular clandestina, mediatizada através da colocação de vários objetos como a imagem de Maria Lionza, das velas, uma fita vermelha e outros elementos fundamentais para a celebração do rito. A alusão a estes aspectos tradicionais não são descritos com pretenções de reinvindicação nem de mitificação por parte do autor, senão como pretexto que serve de catarse à mãe para expurgar suas paixões. Esse sentimento de terror, temor e piedade que a mãe transmite ao receptor durante a celebração do rito faz dela um personagem trágico.
Parte da história se realiza a partir dos sonhos e memórias dos personagens. A obra se inicia justamente com um conho da Filha: "A noite sonhei que um aguaceiro derrubou o barraco e nos surpreendeu nus, a papai e a mim... Estou molhada"; a mãe lhe responde: "Aos vinte anos me passou o mesmo. Toca-me, ainda estou dormente (toma-lhe as mãos e as leva ao sexo)". Os diálogos dos personagens não só servem para identificar a classe social o qual pertencem, um ambiente hostil e marginal capaz de produzir sonhos pouco acalentadores para elas, mas que além do mais serão desenvolvidas em cenas posteriores. O leit-motiv está marcado pelas angústias, sofrimentos, solidão, abandono e frustração social e econômica dos personagens. Sobre isso, Peña em sua obra teórica sustenta que "O autor teatral cria um personagem que é a imagem de sua realidade. Posteriormente, o personagem se reveste de uma consciência própria quando o conjunto o define. Ele é consciência de outras consciências." Parafraseando o autor de "Los pájaros...", poderíamos dizer que o personagem Mãe não é mais que a representação simbólica de uma consciência coletiva, que manifesta, a partir do discurso dramático, a nostalgia do seu amante, a aspiração a uma vida mais cômoda. Sem sombra de dúvidas, através dela, Peña logrou construir uma mostra, uma pequena parcela da realidade venezuelana, aquela que serviu de fonte inspiradora para "Los pájaros se van con la muerte", drama de transcendência e projeção universal.

CONCEPÇÃO DA NOVA MONTAGEM:
"Los pájaros se van con la muerte" é uma obra com uma metáfora poderosa sobre a solidão, a sexualidade reprimida e o misticismo não apenas como forma de explicar o desconhecido mas também como manifestação da manipulação e do poder.
Esses são os pilares desse drama que carrega a essência venezuelana, mas que se assemelha em grande parte à realidade de outros países da América Latina. Trás o sincretismo, os impactos sociais e por conseguinte emocionais das catastróticas realidades econômicas da região. Assim como fala da prisão, da angústia, do sofrimento, da tortura e da traição.
A linguagem onírica, que por vezes guia a narrativa dessa peça, fundamenta em parte a escolha estética para realização dessa peça. Buscaremos no surrealismo as características a serem ressaltadas nesse texto. Vamos acentuar as seguintes características desse movimento artístico presentes na nossa montagem:
  • a combinação do representativo, do abstrato, do irreal e do inconsciente.
  • a arte deve se libertar das exigências da lógica e da razão e ir além da consciência cotidiana, buscando expressar o mundo do inconsciente e dos sonhos.
  • os surrealistas rejeitam a chamada ditadura da razão.
  • humor, sonho e a contra lógica são recursos a serem utilizados para libertar o homem da existência utilitária.
São exatamente esses ítens os já existentes no texto e que serão reforçados e transmitidos.


Objetivos:
Comunicar ao espectador o nojo, a solidão e o desespero, bem como as angústias sociais refletidas no microcosmos de uma familia tipicamente latino-americana, suas frustrações, anseios e mazelas. Mas através da linguagem surrealista ou pelo menos, acentuando tudo o que há de surrelista para ser acentuado nessa montagem (no texto, na interpretação, nos elementos de cena). E dessa forma, promover essa comunicação não de forma lógica, racional e direta, mas sinestética e fazendo uso também da linguagem do subconsciente.

Personagens, Interpretação e Preparação dos Atores:

Os personagens e a forma de interpretação serão de abordagem surrealista.
Para a preparação dos atores buscaremos técnicas, jogos e reflexões de Jerzy Grotowski.
Nos apropriaremos da noção de intercessores, de Deleuze, e bissociadores, de Maurício Kartun, na busca de soluções criativas, dando total liberdade aos atores na constituição de relacionamento com as tecnologias disponíveis. E, a partir desses relacionamentos (o qual chamamos "jogo") vamos construir as cenas.
Durante esse processo, o texto só tem valor se o ator quiser, isto é, o ator faz o que quer e se desejar, utilizará o texto como pretexto para expressar aquilo que o surrelismo o faz sentir e o que tem de surrealista em si próprio.


Local e Cenário:

O local escolhido para a encenação dessa peça é um barraco. Qualquer barraco, que transmita um ar decadente, desde um casarão abandonado, à uma fortaleza.
Pretende-se que a estréia se dê na Fortaleza de São José da Ponta Grossa, no norte da ilha de Santa Catarina, cujo perfil simbólico é muito intenso e reforça profundamente o caráter de prisão entre as duas personagens da peça, visto que a Mãe prende a filha para que esta nunca saia do barraco. Além disso, uma fortaleza é sempre um lugar parado no tempo, como a vida das duas.


Figurino:
A Mãe vestirá um longo preto, com mangas compridas, mais compridas que os próprios braços, tal qual uma camisa de força, ou pelo menos aludindo a uma. A filha estará da mesma forma. As estremidades de ambos os vestidos serão levemente deteriorados.

Iluminação e Efeitos Especiais:
A iluminação será definida em conjunto com o iluminador da Cia. Teatro L.A. CHAMA, Gabriel Guedert.

Sonoplastia:
Algumas melodias próprias para determinados momentos da peça serão acrescentadas, como, por exemplo, o batuque dos rituais simbólicos.

Maquiagem:
A maquiagem da mãe reforçar as expressões de envelhecimento da mesma, bem como olheiras e um cenho carregado e ressentido. A filha, terá suas feições semelhantes às de uma louca.

RESUMIDAMENTE É ISSO!