Peça: "Os pássaros se vão com a morte"
Autor: Edílio Peña
Elenco: Bárbara Danielli e Vera Ferreira
Data: 05/11/2010
Início: 14h30min (atraso)
Começamos o ensaio a partir de uma pergunta: "O que vocês querem hoje?", o que eu queria? Aprofundar a relação entre as atrizes, aumentar a intimidade entre elas e com isso dar-lhes mais conforto em cenas que mexem com tabus femininos. Minha avaliação pessoal é de que ambas ainda estão construindo suas personagens (a mãe e a filha) e, portanto, ainda são muito mais elas mesmas que as personagens em cena, porque quando elas perceberem que quem está em cena é a Mãe e a Filha, elas (Vera e Bárbara) não resistirão às ações (reprováveis, ridículas, depravadas ou não) que ambas fizerem.
Por isso, no início, sugeri a mesma técnica de aquecimento: caminhar pelo espaço, reconhecê-lo, dando especial atenção à ao que você sentir nesse processo; em seguida ficar num lugar onde queira, isto é, respeitar o que o corpo intuitivamente comunica, e atentar para esses micro-sinais que começam a surgir; e, por fim, canalizar o que estiver sentindo para o aquecimento, como combustível para o aquecimento. Ambas fizeram isso por uns 20minutos, a Vera se solta bastante, coisa que a Bárbara não faz tanto, é preciso que se reflite sobre o porquê. Vai um convite à reflexão sobre isso para as atrizes: "O quanto dessa postura é amplamente espontâneo em você? O quanto é auto-controle (leia-se censura degenerativa) e o quanto é teatralização do estado interior?". ISSO NÃO É UMA INSINUAÇÃO, mas uma convite à reflexão. Não há um padrão de comportamente definitivo para esse exercício, cada ator/atriz deve buscar ouvir-se (ouvir seu estado interior - sentimentos, emoções, sensações, etc) e canalizar isso para o seu aquecimento. O "efeito colateral" desse exercício é a busca da expressividade espontanea. Criação do Grotowski.
Em seguida, propus uma nova relação/exercício entre ambas:
- a Vera deveria ficar de olhos fechados;
- a Bárbara deveria "desenozar", identificar pontos de tensão na musculatura da Vera e massageá-la, relaxando-a até certificar-se de que a parceira estava entregue, não oferecendo quaisquer resistências às manipulações que a Bárbara lhe fazia à partes aleatórias do corpo;
- Concomitantemente, a Vera deveria estar atenta para seu estado interior, observar as sensações, emoções e sentimentos que se lhe ocorressem.
- Por fim a Vera deveria abrir os olhos e apenas observar, sem interferir, na condução-manipulação que a Bárbara lhe fazia sem pausas, e, observando como seu estado íntimo procedia, a Vera deveria INTUITIVAMENTE buscar o trecho da peça que com o qual ela pudesse expressar essa impressão provocada pelo execício, podendo, a partir daí, falar, apenas falar, mas seguindo a manipulação realizada.
NOTA: A Vera foi alertada para dar ênfase ao que o exercício lhe fazia sentir, e não para adotar um pedaço do texto e interpretá-lo, matando portanto o que provinha do exercício e fazendo o caminho inverso: as impressões do texto é que seriam utilizadas no exercício. O alerta veio justamente quando percebi essa má incorporação do texto, o principal nesse jogo de manipulação é o que o próprio jogo imprime no ator e a expressão disso através de um pretexto chamado texto teatral, e não o que o contrário. A partir do alerta, compreensivelmente e como naturalmente ocorre, a atriz em questão transitou de uma à outra realização do exercício, o que indica que futuramente ele tende a gerar resultados ainda mais promissores, afinal, também, e quase sempre, se aprende fazendo.
O exercício foi refeito após 20minutos pela Vera na Bárbara. Mesma sequência. E nesse caso era nítido as impressões trazidas pela Bárbara e a sua utilização no texto. Esse exercício serviu também para que a Vera perdesse o medo, ou pelo menos se acostumasse a manipular, tocar, empurrar, mover sem pudores a Bárbara. Coisa que algumas cenas exigem (ou pelo menos sugerem) com muita intensidade: toques diretos, prolongados e vivos, verdadeiros.
Na sequência, canalizamos essas impressões poderosas e iniciamos o estudo da cena 1.01 dessa peça. Ambas estavam presentes, abertas, em prontidão e dispostas (apesar do problema digestivo da Bárbara). Novamente, o importante nesse estudo é a possibilidade delas explorarem o novo/diferente, onde a regra é "deu vontade, faz!". O texto continua sendo apenas um pretexto para o encontro das duas, e esse encontro é o que eu busco. Esse "encontro" é algo muito maior do que estarem corporalmente no mesmo espaço, no mesmo horário, não... é um encontro de intenções, de objetivos, de estado de espírito, de jogo, de relacionamento, de seres humanos, de artistas. A partir do momento que esse encontro VERDADEIRO for aceito por ambas e buscado com todas suas forças, elas estarão no caminho da peça (de qualquer peça na verdade), afinal, a peça é sempre um pretexto, ela passa, troca de mãos, mas os atores não, esses são pessoas, vivas, com sonhos, paixões, respirando e dando vida à peça. E quando um ator se percebe assim (e muito mais) ele consegue dar vida ao seu texto, pois que se torna maior que ele, do contrário o papel pesa mais que o ser humano.
Pois bem, a primeira tentativa de encontro estava no melhor nível que até então foi feito. Não estou aqui avaliando as soluções criativas, as posturas corporais, as marcações propostas, não, nada disso. Repito: o texto não importa, o que importa é a cumplicidade entre ambas, a relação que se estabeleça. E por isso, se eu fosse sugerí-las como materializar a primeira cena, eu diria que dessa vez, estavam muito próximo do que pode ser o "ideal".
Depois estudamos toda a cena 2, por duas vezes, sendo que na segunda vez, sugeri à Bárbara a idéia do sonambulismo (ela sabe do que estou falando, também não posso entregar ao leitor internauta todos os nossos futuros truques) ou o delírio; e para a Vera, ampliar a idéia da intolerância e impaciência. Novamente a disposição e a abertura para o experimento provocou resultados muito interessantes.
Por fim, fizemos o estudo da cena 1.11 e 1.12, buscando aplicar o exercício da manipulação, inicialmente realizado, para dar maior plasticidade aos movimentos e foi bastante eficiente. A Vera estava energizada e a Bárbara muito concentrada.
Ah, ainda teve uma sugestão de que cada uma deveria repassar uma determinada cena imitando a outra, para que criassem um padrão mais semelhante entre as duas atuações, e, evidentemente para que eu verificasse o quanto elas vivendo a peça dentro das suas cabeças (e portanto não ouvindo-se mutuamente, ou em parte) e o quanto esse estudo das cenas era seguido de um estudo atendo de cada um para sua parceira. Isso porque para que exista encontro é preciso haver relação e para haver relação ou como parte da relação deve ocorrer o escutar-se. Evidentemente que os resultado não pode ser determinista pois há, como é o caso da Vera, a dificuldade de "imitar" a parceira, mas a tentatida é o suficiente, não é preciso exigir da atriz uma imitação perfeita.
NOTA: A Vera é naturalmente querida, e ela não pode deixar isso transparecer na sua personagem, precisamos buscar intercessores que provoquem ou desencadeiem resultados que canalizem essa energia para o que a personagem lhe pede.
Acho que estamos nos aproximando do encontro entre elas, o que resultará na peça.
Enfim, saio do ensaio de hoje bastante satisfeito do ensaio, poe perceber que a evolução está sendo agregadora, isto é, elas têm agregado os ganhos dos ensaios anteriores e somado aos posteriores e, não estão reconstruindo a roda a cada ensaio.
Nosso próximo ensaio será no Horto Florestal do córrego grande, com o único objetivo de entrar em contato com objetos (quais? não sei! como? não faço idéia, deixemos o controle de lado para aceitar o novo, o incontrolável, o inesperado!) que serão intercessores nos próximos processos criativos. E os resultados poderão ser aproveitados na cena. Não exatamente no que se refira à marcação de cena, à forma de interpretar, mas também nisso, incluindo coisas simples, porém profundas, também, como a busca desse encontro mútuo (Bárbara-Vera, Vera-Bárbara).
Em breve, publico as fotos.
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