segunda-feira, 4 de abril de 2011

DIÁRIO DE DIREÇÃO - "Ignácio & Maria"

Peça: "Ignácio & Maria"
Autor: Nara Mansur
Elenco: Priscila Souza e Ricardo Goulart
Data: 28/03/2011
Início: 14h30min

Hoje iniciamos mais um dia de ensaios cujo grande objetivo centrou-se na criação de uma relação entre os atores/jogadores e na fundamentação da peça que surgirá.
Quando falo "fundamentação", me refiro à necessidade que tenho de estimular os atores a terem uma escolha ética quanto a peça que estão criando. Ético aqui utilizado enquanto escolha consciente dentro de um contexto sócio-político-cultural, conforme nos apresenta Bakhtin (vide "Para uma filosofia do ato responsável"). Entendo como de suma importância que os atores estejam conscientes da importância dos seus atos e, na prática, isso significa: querer algo com a peça e direcionar este querer (esta intenção) à uma realização cênica; dar objetivo e aliar este objetivo interno à materialização da peça.
De início, propus um aquecimento corporal de aterramento, que é um exercício muito utilizado na commedia dell'artes para melhorar a movimentação dos Zanni. Esse exercício foi utilizado para aquecer, ativar a musculatura física e sensorial e testar uma certa desconfiança que tenho de que Ricardo e Priscila chegam no limite psicológico antes do corpo, ou seja, antes mesmo de eu me cansar (olha que tenho 98kg) eles já estão dizendo: "ai, cansei!". Especialmente a Priscila. E isso vai contra o estado de prontidão e disponibilidade, que é aquela marca mínima adequada que o ator tem que ter para fazer o ensaio render: estar pronto pro que der e vier e disponível para fazer tudo o possível. Vou continuar observando e tentar quebrar essas pequenas barreiras sem que percebam. Acho que a chave para isso está muito mais em mim do que neles.
Depois fomos caminhar pelo ambiente para atingir um estado de atenção que eu não estava captando em ambos. Como fazer isso? Simples: caminhar até que não se escute os passos pela sala, este foi o comando. Mas creio que não surtiu efeito algum. Retomaremos adiante.
Em seguida fomos para uma massagem que culminaria com uma manipulação corporal do outro. Ambos estavam bem entrosados e concentrados na sua ação. Ainda os percebo arriscando pouco, e isso significa: pouca busca do "diferente", do fazer de outra forma que não aquela aliada ao senso comum. Evidentemente que quanto menos se arrisca, menos se estimula, e quanto menos estímulos, mais fraco o jogo. É importante e interessante observar que no início de cada exercício os atores chegam ao seu esgotamento muito rapidamente, indício de que ainda estão se acostumando com ele e não observando o quanto de possibilidades possuem. Exemplo: na massagem, massageavam rápido, toques quase ansiosos, angustiantes, apressados as vezes, claro que assim ninguem "curte" a proposta adequadamente; o ideal é, nesse caso, tocar lentamente, usufruir do contato direto e nem sempre tão próximo com o outro, é buscar variar ritmos, velocidades e formas, mas quando se faz algo rápido, você não o sente com o intensidade adequada nem verifica as possibilidades que teria a disposição. Solução pra isso? Repetição! Fizeram o exercício 3 vezes, sem o saberem (ou melhor, agora sabem). E da última vez que estava manipulando-se, os toques, as interferências já eram muito mais estimulantes e criadoras de imagens muito mais interessantes.
Em seguida, fizemos um exercício de olho no olho para criar um vínculo interno entre ambos também. Espero que tenham se enxergado, se ver é fácil, se enxergar, difícil! Mas ambos estão num entrosamento muito bacana. 
Gosto muito do quanto e como a Priscila surpreende o Ricardo com seus tapas, uma espécie de "petulância" (maravilhosa, leia-se de passagem) de quem enfrenta o desafio ou tenta buscar uma forma nova. Isso é excelente. Por seu lado, fico muito satisfeito com essa motivação para o Ricardo, ele merece engatar essa peça!
Conversamos em seguida sobre a motivação principal da peça. Percebi que ambos estavam lendo-a de forma romântica, o que não é ruim, mas é comum. Propus uma leitura mais às avessas, apresentando outra fundamentação para a peça. Espero que eles gostem e passem a ler a peça com olhos diferentes dos iniciais.  Não vou abrir aqui ainda do que falará esta peça, mas saibam que "amor", "política", "revolução" e "sonhos" são somente panos de fundo para aquilo que move o ser humano do berço ao túmulo.
A cena 1, 2 e 3 foi definida praticamente pelos 2. 
A Priscila trouxe excelente fotos que renderão ótimas imagens e cenas e o Ricardo trouxe uma foto muito boa e ótimas músicas.
Vou tentar colocá-las aqui.
Por hoje é só, estou satisfeito e refletindo sobre o que possa ser produtivo para o próximo ensaio. Tão logo tenhamos uma imagem geral da peça, começamos a brincar com a repetição dos ensaios. Por enquanto, assim que chegamos numa solução imediata, passamos pra cena seguinte.

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