domingo, 12 de dezembro de 2010

DIÁRIO DE DIREÇÃO - "Canción de cuna..."

Peça: "Canção de ninar para um anarquista"

Autor: Jorge Díaz
Elenco: Anna Lia e Tobias Nunnes
Data: 10/12/2010
Início: 09h00min


Hoje ensaiamos na 401. 
Começamos o ensaio com o exercício de looping de texto (que erroneamente chamei de looping cena, que é outra coisa, e que fizemos hoje também e que descreverei adiante).
Os atores tiveram a liberdade de bater texto com a peça em mãos por 2 vezes seguidas. Não por completo, mas somente as cenas que já tinham memorizadas razoavelmente. Em seguida, abandonariam o papel e continuariam o diálogo cada vez mais rapidamente, retornando ao começo assim que chegassem no fim. Fizemos isso por 1h20min para que pudessem ganhar confiança no texto e liberar a mente para brincar. Ou seja, colocar o texto na mente para depois jogar pro corpo e do corpo para a cena. 



Essa é a técnica da exaustão do texto, que faz parte da estratégia do "balão em queda". Quando o balão está em queda, qual a primeira iniciativa? Eliminar peso. Isto é, por outro lado, para o balão ganhar altura, precisamos fazer com que coisas que sejam pesadas para os atores deixem de sê-lo, no caso, o texto não pode ser a maior preocupação, razão pela qual, vamos exaurí-lo ao ponto de incorporá-lo.  
Depois fizemos um alongamento/aquecimento corporal para que eles pudessem acionar o corpo, e verificar como estava seu estado físico para dar continuidade ao ensaio.
NOTA: Observei no ensaio deles que a construção do personagem passa pela disponibilização do corpo/voz do ator para tanto. 
Conversamos em seguida sobre os quatro pontos fundamentais do aquecimento, e de como eles se reconhecem ou são afetados na prática:
1.  ESPAÇO = pelo Reconhecimento/Apropriação/Profanação/Uso;
2.  EU = pelo Físico-Alongamento/Relaxamento, voz & psico-emocional/Auto-observação e percepção interior;
3.  NÓS = pela Relação/Jogo de Estímulos;
4.  PEÇA = estudo do texto, da cenas (criação ou acesso à imagens, rítmos, objetivos, intenções, relações e jogos).

Em seguida, conversamos um pouco sobre a construção do personagem, onde poderíamos começar a refletir sobre dois ítens fundamentais:
1. CORPO/VOZ: deixar o corpo disponível para criar imagens ou materializar imagens conectadas com a compreensão do personagem vista pelo seu intérprete/ator;
2. OBJETIVOS: uma série de intenções ligadas à momentos distintos da peça e relacionadas à evolução/movimento dessa estrutura.

Depois fizemos o exercício de Looping de cena, nele buscamos fazer a cena com as marcações básicas, repetidas vezes, em velocidades cada vez mais elevadas. Da mesma forma que o texto deveria ser falado cada vez mais rápido, os gestos, expressões faciais, intenções, movimentações, deveriam acompanhar essa velocidade. Em síntese, a cena deveria ser representada da mesma forma que se representa na "velocidade normal", porém, como se alguém tivesse apertado o botão "Fast motion", e cada vez mais veloz a cada vez que retornasse ao começo.
Primeira repetição:
Uma das últimas repetições:

Esse foi o exercício mais ESPETACULAR para esse elenco, os ajudou profundamente à encontrar soluções para problemas absolutamente normais e compreensíveis que ambos tinham, mas que não poderiam começar a ser vistos como bloqueios graves.

Vídeo desse processo:

(compare com um vídeo do ensaio de 02/12, abaixo)



Anotações que fiz durante o ensaio:
  1. O exercício da cena infinita (Looping de cena), em velocidade cada vez maior, dá estabilidade, constância de gestos, movimentos, e faz com que os atores sustentem mais os movimentos e expressões, acentuando sua objetividade em cena. Isso porque, eles acabam sem tempo para "desconstruir as imagens que criam, os gestos, expressões, etc, bem como, evita que a cada ensaio eles sempre façam gestos diferentes, portanto esse exercício também demonstrou-se excelente para partiturizar a cena.
  2. Todo o corpo dos atores estava conectado com mais intensidade em função do estado de atenção/prontidão que se mantinham para manter e acelerar a velocidade do texto ao mesmo tempo que não errá-lo.
  3. Para o corpo do Balbuena, assim que vi uma movimentação qualquer do Tobias, me veio a idéia de sugerir (mas não achei prudente fazê-lo nesse momento) que ele virasse primeiro os membros superiores, inferiores e a cabeça e por último o tronco, quando houvesse necessidade de locomover-se.
  4. Quanto mais rápido falavam, mais tendiam à conectar velocidade com raiva e, assim, acentuar esse sentimento nas falas. Pedi que atentassem para isso, e corrigissem quando achassem necessário.
  5. Pedi para não esquecerem de modular o rosto, as mudança que eles necessitam realizar em suas expressões faciais enquanto aumentavam a velocidade. Isso para não deixar que a velocidade fosse apenas oral, mas o corpo não a acompanhasse.
  6. Pedi também para que modulassem o humor, as intenções, enfim, tudo o possível no decorrer desse aumento de velocidade.
  7. Esse exercício matou as pausas dramáticas que eu estava tentando remover através de repetidos alertas feitos aos atores, mas é normal que muitas vezes a gente só aprenda fazendo. E nesse caso, MISSÃO CUMPRIDA! Eliminamos as transições psicológicas que os nossos personagens loucos não tem, ou se têm, as têm em momentos impróprios e durações diferenciadas (maiores que as comuns).
  8. Quanto mais rápido , mais limpo ficavam (limpo = objetivos + econômicos + precisos), pois eles não tinham tempo para tantos gestos, isto é, para sujar. Isso tem relação com o deixar a cena mais objetiva.
  9. Esse exercício muitas vezes me pareceu uma lupa sobre a cena, pois parecia que estava vendo tudo acentuadamente. EXCELENTE!
  10. A partir das últimas repetições, percebi que os atores (em especial a Anna Lia), estava começando a se desconcentrar por conta das minhas risadas, razão pela qual escrevi e a comuniquei: Incluam os demais presentes no jogo, hoje sou eu, amanhã será o público. Quando não incluímos esses entes, eles nos interferem  durante o jogo e reagimos de duas formas distintas, com raiva, ou com riso. Isso para evitar rir, que é o resultado à não inclusão dos demais como jogadores desse grande jogo que é a peça; isso mataria a comédia.
  11. Com a velocidade cada vez maior, não dá tempo de pensar/julgar os próprios atos, muito menos de acreditar ou não nas suas ações, os atores só têm um objetivo, "fazer no mais breve tempo possível o que têm que fazer". Assim, eles acionam o corpo, já que não dá tempo para ficar acionando a mente/razão, e tudo conecta-se: corpo, voz, intenção. Resultado da atenção, da presença, que geral objetividade em estado puro! Espontaneidade TOTAL! ISSO É EXTRAORDINÁRIO!!!
  12. Como ambos não têm tempo de pensar, o corpo busca imagens no sub-consciente (o consciente está ocupado com aquilo que o toma por completo no curto espaço de tempo que lhe sobra) para materializar no corpo as soluções criativas. De modo que essas imagens tornam-se espontâneas, sem tempo para pré-avaliações ou julgamentos interiores/mentais.
  13. A cada passada eles limpavam mais os gestos, movimentos e expressões que faziam e acrescentavam outros nos momentos que ainda estavam pobres destes elementos. Enriquecendo ainda mais a sua partitura ao mesmo tempo que a enxugavam.
  14. Sem a cerebralização do texto, o uso da mente, da razão, eles se tornaram livres para serem produtores, fontes de estímulos e não, de idéias! Razão pela qual acabaram criando um jogo de estímulos e reações o que resultou no verdadeiro jogo. Um jogo espontâneo e "estimulante"! EXCELENTE!.
  15. Quanto você decora um texto sozinho, você não inclui o outro jogador nele, e quando vai passar o texto com esse jogador, por não tê-lo incluído no momento da memorização, você acaba por desconcentrar-se (leia-se, fugir do jogo) e esquecer-se.
O ensaio de hoje foi O MELHOR DE TODOS! PARABÉNS AOS DOIS! 
Na próxima semana vamos repetir esse ensaio para garantir que esses ganhos sejam reais conquistas e passaremos em seguida para aprofundar a construção dos personagens e aperfeiçoar as cenas da peça.
Nota final: Anna Lia precisa agora começar a dar mais vida ao rosto da Rosaura, ela ainda mantém a expressão muito "neutra" durante alguns momentos da peça. Vamos começar a trabalhar a idéia de máscaras faciais. Veja:
De Ensaio - Canção de ninar para um anarquista

2 comentários:

  1. Esse post foi absolutamente fantastico! Nem sei por onde começar... Parabens a todos vcs pelo otimo trabalho, pelo menos parece.

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  2. Obrigado Rô!

    Realmente foi um ótimo trabalho o deles!

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