quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DIÁRIO DE DIREÇÃO - "Los pájaros..."

Peça: "Os pássaros se vão com a morte"
Autor: Edílio Peña
Elenco: Bárbara Danielli e Vera Ferreira
Data: 24/11/2010
Início: 9h10min (atraso)

Hoje estamos ensaiando na sala 401.
Repeti para as meninas as perguntas que o autor Stephen Wangh convida os atores a fazerem-se durante seus aquecimentos para aproveitar ainda mais esse momento tão importante do ensaio.

Em seguida, fizemos um PLASTIQUE.
O nível de concentração da Bárbara vai melhorando com o tempo de ensaio, ela começa falando muito e vai silenciando, mas basta uma pequena interrupção para que a concentração caia. Isso é algo natural e que ela pode começar a perceber e canalizar esse impulso para potencializar sua energia interna, seu estado de atividade interior e, ao contrário, não tentar bloquear, mas canalizar. Temos trabalhado com a noção de que tudo o que vem deles é bom, mesmo os excessos de ansiedade ou crises de angústia que afetam sua concentração. E por ser algo bom, devem canalizar para o trabalho e, não bloquearem, ignorarem ou alienarem-se à esses fatos.

A Vera já demonstra ter maior facilidade de centrar-se no exercício.

Durante o Isolamento a Bárbara teve alguns picos de mal estar, ela demonstra sintomas de pressão baixa, mas a Vera aventou outra possibilidade .
Então, vamos começar a mapear esses problemas de saúde, porque esse foi um dos VÁRIOS ensaios que entre tonturas, problemas gástro-intestinais e vocais a Bárbara apresentou. Ou é o horário de ensaio que pega o organismo dela frágil, se preparando para o dia, ou é algo de efeito emocional. De qualquer forma, precisamos analisar isso com muito cuidado, do contrário, o rendimento dos ensaios começará a ficar muito aquém do esperado.
Mas, isso é apenas uma observação quanto à saúde, vamos cuidar para não virar um problema de fato pois, com a saúde não se brinca. Porque eu vejo que a Bárbara se esforça, se dedica, está presente, até que tem uma tontura que a deixa fora de jogo por uns 5 minutos pelo menos. E até que ela retome à concentração no jogo, no processo criativo, ela perde muito tempo e, portanto, muitas oportunidades de criar coisas e ter experiências boas pra ela mesmo.
Adiante... Depois do PLASTIQUE, como já eram 10h20min, pedi que elas caminhassem pela sala, buscassem um animal qualquer e começassem a incorporá-lo (colocá-lo no corpo). Com o decorrer do exercício, percebi que ambas estavam periféricas demais, isto é, coordenando braços, mãos e pernas com o animal escolhido, mas esquecendo do primordial, a coluna e o centro de gravidade do corpo, o assoalho pélvico. Além disso, não pareciam estar acreditando muito nas imagens que produziam, pois não coordenavam a face nem os olhos. Enfim, não haviam se dado conta ainda de que o jogo do PLASTIQUE serve justamente para elas ativarem várias partes do corpo e utilizarem-nas detalhadamente para a tal sincronia. É a tal máxima cartesiana: dividir para conquistar! Dividirem a percepção corporal para melhor usar o corpo dando mais detalhes à utilização do seu aparato físico.
Com o tempo elas foram se abrindo mais pro jogo, e buscando ampliar suas tentativas de incorporar (colocar no corpo) tais animais. É interessante notar que quando chega a parte de sincronizar emissão de som (não necessariamente voz, mas também se for o caso), há um pequeno travamento inicial até que depois de algum momento alguém começa a quebrar o silêncio como se estivesse profanando a região da razão, do lógico, para entrar no universo sonoro da loucura. E com Luz totalmente acesa, o grupo não se liberta tanto quanto com a pouca luz que facilita ou pelo menos mascara a tentativa constante de acreditar naquilo que elas mesmos fazem.
A partir do primeiro animal, pedi que elas escolhessem outros 2 em associação com algum trecho, fala, estado emocional, ou ponto específico do texto teatral, no que fizeram dedicadamente. Conforme a sincronia animal avançava eu as solicitava que quando sincronizassem os sons corporais, que pudessem emitir o tal pedaço de texto o qual as tinha inspirado não como quem interpreta, mas como se o animal é que estivesse dizendo aquela palavra, fala, aquele som, etc.

Depois pedi que elas pegassem a cena 3, escolhessem 1 animal e fizéssemos tais animais interpretarem o texto - como se fosse um desenho da Walt Disney onde os animais são os personagens, e não aqueles que elas já criaram (a mãe e a filha). Elas O fizeram, e aqui uma falha minha, não anotei quais eram, mas tenho na recordação que a Vera possa ter feito um pássaro e a Bárbara uma hiena (Corrigindo, foi um macaco). Conforme a cena passava e eu percebia que elas iriam perdendo o animal e virando as personagens, eu as pedia que escolhessem outro animal, para insuflar-lhes combustível novo. Depois que eu percebi que essas paradas as fazia ficar pensando demais, eu pedi que escolhessem um animal aleatoriamente, para evitar que premeditassem a cena o que dificulta o interelacionamento de ambas.
NOTA: Esse elenco me tem ensinado que quando a gente premedita a cena, quando a planejamos, nós não levamos em consideração o que de mais importância acontece: o jogo. Tomemos por exemplo um jogador de futebol, ele não tem como planejar que pegará a bola, cruzará o campo, correrá mais que todos, não será interceptado ou tocado e com certeza fará o gol. Se assim proceder, ele corre o risco de receber uma pancada ou de sair atropelando todo mundo até entrar com bola e tudo dentro do gol e ser um rolo compressor. O ator, da mesma forma! Se ele investir mais no trabalho de equipe, pode não fazer o gol, mas certamente participará da jogada e se divertirá muito, porque não ignorará o que de mais importante acontece em campo, o relacionamento entre os entes.

Então, para evitar a premeditação ou planejamento mesmo dos jogos, eu tento quebrar o programado por elas mesmas com pedidos rápidos e surpresas. Elas demonstraram preocupação em não saber imitar os animais. Esse é um sinal claro e evidente de que elas ainda estão muito cerebrais, isto é, muito preocupadas com a avaliação - o julgamento - que fazem de si próprias se estão ou não "fazendo bem"! Eu espero que ao lerem essas linhas, elas percebam duas coisas:
  1. o importante no jogo é tentar, estar aberto e disponível para o jogo;
  2. desliguem sua auto-crítica, ela é minha maior inimiga no processo de ensaio de qualquer elenco porque ela os trava, os julga e os poda de experimentações tirando-lhes a liberdade de experimentarem, sentirem, usufruirem. E esse negócio de fazer certo ou errado é idéia de uma sociedade de onde viemos, que é competitiva e baseada na "vitória", Aqui vence quem tenta e não quem faz bem feito, quem se esforça, dedica e joga. E, por fim, vocês precisam se abrir mais para o instintivo, pro sensorial e esquecer um pouco o racional (é ele quem julga, quem diz o certo/errado, o bom/mal)... o instintivo/sensorial não, ele é quem mexe com o gostoso/divertido/prazeroso. ABRAM-SE PARA O PRAZER de experimentar, de sentir, e esqueçam essa idéia do CERTO ou ERRADO... isso não importa e ao contrário as impede de experimentar e, portanto, colher ótimas soluções criativas. Isso irá expandir a sua imaginação.
Essa dica vale para TODOS os nossos jogos! No próximo ensaio, experimente seguir esses 2 pontos e vejam o quanto vocês crescerão. Fica o desafio.

Depois pegamos algumas cenas pontuais. A cena 1.08, onde há uma relação sexual entre mãe e filha, onde pedi que ambas a realizassem como se fossem serpentes. Incrível como há dificuldades da Bárbara em abrir-se para tocar a Vera, e não estou aqui falando de um toque agressivo ou intromissivo, mas qualquer toque, desde que seja verdadeiro. Basta lembrar que não houve qualquer toque, apesar da Vera ter tentado aproximações. Acho que minhas tentativas estão se esgotando, vou começar a colocá-la frente à frente com esse tabu para encará-lo de fato.

Depois fizeram a cena 1.12, como duas chimpanzés. Isso me mostrou que precisaríamos de mais tempo, pois elas não tem a mesma noção que eu de que este é um bicho barulhento e brincalhão e era isso que eu queria que elas buscassem desse bicho. Pois a cena é justamente um dos raros momentos de entusiasmo da mãe e da filha quando percebem que os vizinhos estão fazendo sexo. Não rolou. Da mesma forma que não pegaram das serpentes na cena anterior a sensualidade corporal das cobras, numa cena que teria sido muito útil para elas, justamente para começarem a trabalhar fisicamente com a sensualidade.

Bem, o ensaio foi ótimo, me ensinou muito... me deu vários parâmetros com os quais trabalhar para os próximos ensaios.

Ah, esse ensaio foi programado a partir do diário do ator da Bárbara em que ela diz que sente necessidade de trabalhar vários corpos (de menina, de homem, de mulher, etc). Percebi hoje que ela tem dificuldade em metaforizar coisas, pois eu dei a chance dela experimentar vários corpos e ela não percebeu que era tudo uma metáfora, afinal, experimentar o corpo de uma onça era a chance que ela tinha de buscar neste animal as características do corpo homem que ela poderia criar, o mesmo com o gorila, ou a hiena, o rato, o chimpanzé para a menina, ou a serpente para a mulher. É isso gente, esse não é um jogo banal de imitação, ao contrário, são metáforas corporais com as quais vocês precisam trabalhar. Não é nossa proposta que vocês "imitem" o corpo de um homem e achem que criaram um corpo masculino. O que nós queremos são metáforas de corpos, corpos com elementos que expressem aquilo que desejamos. É mais simples do que parece, afinal é um jogo.

Por fim, fizemos um breve exercício de imagens, onde pedi que elas sentassem em lados opostos e buscassem ver à sua frente uma tela com as imagens que uma descrevia à outra. Trata-se da cena 2. Elas o fizeram, e como estavamos no fim do ensaio, não deu para aprofundar. Serviu apenas para não esquecerem esse texto.
No mais, nao gosto de aplicar os mesmos exercícios nos grupos porque acabo comparando um com o outro, e não é possível se estabelecer comparações quando se trata de pessoas e projetos diferentes. Essas comparações podem provoca cobranças descabidas, frustrações sem sentido e relações inverídicas. Cada grupo tem seu ritmo, sua forma de encarar o jogo, de se entregar ao exercício e sua necessidade específica.

Eu só apliquei alguns dos mesmos exercícios porque me dei conta disso e me concentrei em tentar não incorrer nesse engano.

Beijos e abraços.

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